Para Henri Michaux
Galho retorcido
de árvore
corcunda.
Cabeças
cúbicas
de formigas.
Paisagem
de margens mudas
onde o vento
sopra
ao contrário.
Onde as pedras
não são mais pedras.
Ninguém vive
aqui.
Aranhas tecem teias
nos meus
pesadelos.
Salamandra procria
no fundo
de meu olho direito.
Este não é o Olho de Buda.
Paisagem construída
com dedos
e unhas
de mortos;
com a pele,
cabelos
e olhos
de mortos.
Meu pai,
um mapa borrado;
minha mãe,
bússola
sem ponteiros;
eu mesmo,
pedra negra
no tabuleiro
de xadrez.
Apenas sombras
uivam.
Tudo tão pesado,
tão pesado,
âncora de pensamentos.
Tudo tão
detestável.
Por que as geleiras,
por que os abismos?
Faca desenha círculos
concêntricos
na água estagnada,
à esquerda
de lugar algum.
Este não é o Olho de Shiva.
Formas desfiguradas
em farrapos.
Essa escada que não leva
a parte alguma.
Palavras, palavras, palavras
já não fazem mais
sentido.
Silêncio.
Depois, espectros escrotos
em alto-falantes
anunciam a morte
de Deus.
O terceiro olho
então
se abre.
Claudio Daniel, julho / 2021