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Channel: Cantar a Pele de Lontra IV
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ÚLTIMO POEMA DE 2021

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É ontem novamente agora;

lábios escuros

gritam branco silêncio

que arranha arranha

o espelho opaco;

século de tantos enganos,

partidos em fragmentos

como lascas

de cerâmica maia,

pétalas esmagadas

em um livro;

ácidos desfiguram

o rosto da memória,

borram a história

como manchas

de nanquim

na superfície

do papel-da-china;

nada sabemos,

cegos guiando cegos,

boxeadores bêbados

lutando o mesmo

estranho pugilato

que nunca terá fim;

ruína após ruína,

é sempre o mesmo

combate,

aquilo que é impossível

descrever

aquilo que você

tanto teme,

fantasma de mil braços

que te projeta

contra o teto

de uma casa

semidemolida;

ruína após ruína,

o mesmo compasso:

ontem novamente agora,

lábios escuros

gritam branco silêncio

que arranha arranha

o espelho opaco.

A criança medonha te assusta

como sua cara deformada;

garganta, unhas e cabelos

da criança medonha te perseguem

atrás do muro, além do muro atrás do muro

no fim do fim do início de tudo:

do fimcomeço de tudonada.

Você não sabe, não quer compreender

essa longa jornada, no labirinto escurecido,

onde os danados roem os próprios ossos.

De repente, cansado já de toda farsa burguesa,

você finalmente retira a máscara do medo,

expulsa a criança medonha da casa em ruínas

e expõe sua face ao sol vermelho,

expõe o torso e os punhos ao sol vermelho

e o sol ilumina outros possíveis amanhãs.

 

Claudio Daniel, 31 de julho de 2021

 

 


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