É ontem novamente agora;
lábios escuros
gritam branco silêncio
que arranha arranha
o espelho opaco;
século de tantos enganos,
partidos em fragmentos
como lascas
de cerâmica maia,
pétalas esmagadas
em um livro;
ácidos desfiguram
o rosto da memória,
borram a história
como manchas
de nanquim
na superfície
do papel-da-china;
nada sabemos,
cegos guiando cegos,
boxeadores bêbados
lutando o mesmo
estranho pugilato
que nunca terá fim;
ruína após ruína,
é sempre o mesmo
combate,
aquilo que é impossível
descrever
aquilo que você
tanto teme,
fantasma de mil braços
que te projeta
contra o teto
de uma casa
semidemolida;
ruína após ruína,
o mesmo compasso:
ontem novamente agora,
lábios escuros
gritam branco silêncio
que arranha arranha
o espelho opaco.
A criança medonha te assusta
como sua cara deformada;
garganta, unhas e cabelos
da criança medonha te perseguem
atrás do muro, além do muro atrás do muro
no fim do fim do início de tudo:
do fimcomeço de tudonada.
Você não sabe, não quer compreender
essa longa jornada, no labirinto escurecido,
onde os danados roem os próprios ossos.
De repente, cansado já de toda farsa burguesa,
você finalmente retira a máscara do medo,
expulsa a criança medonha da casa em ruínas
e expõe sua face ao sol vermelho,
expõe o torso e os punhos ao sol vermelho
e o sol ilumina outros possíveis amanhãs.
Claudio Daniel, 31 de julho de 2021